Quando começamos a nos movimentar?
“o movimento foi uma força motriz importante para a evolução das espécies em geral; grandes mudanças na confirmação morfológica, no plano corporal das espécies vieram da necessidade de se movimentar de um modo diferente” (Santurbano – Curso Fisioterapia Bio-Antropológica 2020).
Para começar a incentivar a reflexão sobre o movimento gostaria de, primeiro, explicar o porquê ele foi essencial para a nossa espécie.
Para isso, vamos resgatar uma breve etiologia da nossa espécie: nós, humanos, pertencemos ao Reino Animalia, do Filo Chordata (vertebrados), Classificados aos mamíferos, pertencentes a Ordem dos Primatas, da Familia Hominideo, e Genero Homo. Pronto, é daqui que surge a palavra que inventamos para nos dar uma singularidade, que hora nos serve de substantivo, hora de adjetivo contestável: humanos. O primeiro animal do gênero homo: o Homo abilis data de aproximadamente 2.2 a 1.6 milhoes de anos atrás. E o único animal existente ainda hoje desse gênero somos nós, o vestígio evolutivo da espécie: Homo sapiens, datamos de, aproximadamente, 300 mil anos (há uma grande tentativa de nós dar a qualificação de superioridade, “mais evoluídos”, o último aperfeiçoamento, mas isso é muito questionado, afinal, se já criamos uma cultura de superioridade entre os iguais – para os que acreditam na ciência – imagine o que aconteceria dentre aqueles que julgamos ser diferentes; existem diferentes hipóteses pra pensar sobre esse processo). Assim, é importante ressaltar, se somos o último vestígio evolutivo do gênero Homo, não é porque somos melhores, é por uma mera questão temporal – até o presente momento, todas as outras espécies deste gênero viveram por mais tempo no planeta do que nós; e me parece questionável se nós iremos passar isso em quantidade temporal. Evolução, para a biologia significa mudança, e não melhora. A evolução não é finalista, nada que precede, existe para/ com a finalidade do desenvolvimento do que se segue.
Porque eu quis começar puxando esse fio? Porque nosso calendário não da conta de mostrar a importância do tempo. E o tempo será um tema recorrente nesta série de textos, por isso, vou sugerir uma razão para a história da nossa espécie. No séc XVIII (1760) nós vivemos um grande marco histórico: a primeira revolução industrial, ela mudou drasticamente nosso estilo de vida, esses 260 de historia correspondem a apenas 0,086% do nosso tempo de existência neste planeta. Isso mesmo! Parece quase nada. Se voltarmos um pouco mais, há 12.000 anos, mais uma grande revolução ocorreu, passamos de um estilo de vida predominantemente nômade a um estilo de vida voltado a máxima exploração de um pequeno espaço de terra: a revolução agrícola (o momento em que nossa espécie começou a explorar exaustivamente de um pedaço de terra aquilo que podia/necessitava – a primeira apropriação de terra, a qual ninguém que chamar de roubo). Um estilo de vida com menor potenciais de diversidade promoveu mudanças profundas no nosso comportamento motor; a partir da revolução agrícola temos grandiosos 4% da nossa história. Quanto mudamos o mundo desde então, não é mesmo? Definitivamente mudamos antes disso também, mas hoje, a nossa capacidade de deformação é sem duvida maior, que se contrapõe a uma capacidade de criação muito menor: hoje somo reprodutores do mesmo. Mas e nós, quanto nós mudamos/evoluímos?
A evolução é uma adaptação populacional, e não do indivíduo singular. Nossa fisiologia se mantem drasticamente a mesma, poucas alterações genéticas de fato ocorreram, e nossa ciência vem se mostrando capaz, apenas na transição deste último século, de identificar que nossos hábitos de vida, de fato, podem gerar alterações na expressão gênica e, até mesmo, nas nossas células reprodutoras. Mas suspendendo o assunto da epigenética, a nossa genética, que obedece à condições temporais e espaciais, e recentemente até mesma culturais, se mantém basicamente a mesma. O nosso comportamento motor, e nossas necessidades biológicas depende de um conjunto plural de genes (o que reduz ainda mais as chances de uma evolução genética para estes fatores).
96% da historia da nossa espécie foi submetida a um estilo de vida onde as barreiras do ambiente eram as que selecionavam nossos comportamentos. As “habilidades” que dão maior chance de sobrevivência a uma espécie são selecionadas de forma natural. Nós, Homo sapiens, temos uma série dessa habilidade herdadas dos nossos antepassados primatas e poucas outras ainda mais singulares. Uma lei da biologia, um tanto quanto desconcertante, que o teórico Orgel traz é “a evolução é mais esperta que você”. Nós passamos por mudanças no estilo de vida de forma muito mais rápida que a as possíveis chances para uma mudança biológica. O que pode gerar um desequilíbrio entre o determinismo biológico e nossas ações, podendo resultar em uma incompatibilidade biológica. Alguns tendem a dizer que nós nos adaptamos a esse estilo de vida, mas nenhuma adaptação genética ocorreria de forma tão rápida. O que nos leva a um organismo adaptado a sobreviver em condições nas quais ele se desenvolveu, ou seja: sem explanar os vestígios evolutivos dos prim(os)atas, nosso organismo se mostrou capaz de vencer as barreiras de um ambiente que inicialmente era uma savana africana, e nos deu a condição de colonizar o mundo inteiro à pé, afinal, quem descobriu o brasil não foram os europeus, mas definitivamente quem drasticamente mudou as “américas” foram esses caras que deram o próprio nome a um continente inteiro.
Quais são os comportamentos motores que nos permitiram chegar até aqui? Uma pergunta interessante, mas difícil de eu desenvolver uma resposta tão precisa (e talvez seja um problema quere-la assim) mas algumas delas, sem duvidas, poderemos elencar.
Temos uma aprimorada capacidade de se deslocar por longas distancias em pé E correr gastando pouca energia (somos hábeis no estilo de caça por persistência), E aumentamos as possibilidade de uso dos membros superiores: para escalar E arremessadores E carregar, E lutar E catar E manipular E cozinhar E produzir. Se por um lado achamos que vencedores são aqueles que mais se distanciam dos que participavam do mesmo evento, somos ainda mais excelentes na capacidade de cooperar (desenvolvemos complexas habilidades de agir de forma organizada e em grupo), temos, também, a majestosa habilidade de interpretar sinais, E criar hipóteses E refletir a partir de um olhar abstrato de si (uma íntima relação entre mente e corpo para solucionar tarefas). E se somos toda essa potencia de agir, se temos um corpo com grande capacidade para realizar diversas tarefas é porque podemos ir além delas. Enquanto nós, hoje em dia, “gastamos latim” para hierarquizar as relações e subjuga-las perante um valor (me parece um comportamento compulsivo), perdemos na máxima potencialização da associação, da criação.
A atividade física associada a demanda cognitiva vem sendo comprovada como uma das melhores ferramentas para se estimular a Neurogênese e a Neuroplasticidade (desenvolvimento e reestruturação do nosso SNC). Conseguir provar que isso é verdade não torna mais verdade do que sempre foi. Queremos é criar novas formas de usar o corpo.
O organismo que hoje você habita carrega as mesmas necessidades biológicas que eu habito e basicamente as mesmas das quais ele surgiu há 300 mil anos.
Se hoje temos conhecimento suficiente para criar essa quantidade de conforto que nós cerca, é melhor direcionarmos nossos pensamentos a refletir sobre os possíveis impactos prejudiciais que tamanho “luxo e conforto” nos causa. Nossas “adaptações” modernas estão mais no campo da dominação ou tentativa de dominação do meio e produção (ao menos inicialmente) de condições artificiais para aumentar as nossas chances de vencer barreiras e reduzir os impactos produzidos por essa “evolução cultural”. Nosso organismo é extremamente eficiente, tendemos a economizar energia ao máximo. Se temos um músculo grande e volumoso do qual não usamos iremos deixar de tê-lo em todo esse volume. Se não precisamos de todo um conjunto de associações nervosas é possível que elas se tornem mais difíceis de serem excitáveis. Mas há uma beleza nesse sistema: o que não se usa se perde, bem como o que se estimula se produz. É sempre tempo de começar a se movimentar de uma forma que te de prazer. E isso te trará, sem duvida, melhor saúde no processo de experimentação; tornar-se. Se por um lado esse nosso organismo exige um mínimo de cuidado, é preciso também desmanchar esse organismo para ser além do que nos dizem para ser. Esses textos não tem o objetivo de se estimular a viver uma vida irreal ou fictícia para nossa cultura. Nem mesmo se propor um dogma. Desejo estimular que nos aproximemos de um estilo de vida comprovadamente mais saudável. Que nos (re)apropriemos de si. Tem o objetivo de perturbar para se produzir o novo. O intuito de incentivar que se promova uma nova forma de se relacionar consigo, com os outros e com o meio. É preciso atualizar nossa cultura!
Trata-se de nos tornarmos mais livres da nossa própria servidão, a partir de encontrar nossas linhas de fugas potentes.
O convite: o que você ainda não fez do seu corpo?
No próximo texto, iremos falar sobre Compatibilidade biológica e a falácia naturalista.
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João Vitor Lovato Daré.
Fisioterapeuta, CREFITO: 297023-F